O luto da perda gestacional: um campo de atuação da arteterapia e da musicoterapia

Resumen

La pérdida gestacional, en cualquier fase de la gestación, así como el óbito perinatal –la muerte del bebé en los días anteriores o posteriores al nacimiento–, constituyen eventos frecuentes que alcanzan, a nivel mundial, en el período de un año a millones de familias. A pesar de eso, todavía representa una pérdida “invisible”, en especial cuando es precoz y el duelo es vivenciado como un “duelo no autorizado”. Este tipo de duelo, a pesar de ser tan común, no es debidamente reconocido y validado por el sistema médico-asistencial, y tampoco por la sociedad. Sin embargo, el impacto de la pérdida gestacional puede tener efectos duraderos sobre la madre, la pareja y la familia.

Las actividades creativas, tales como las artes plásticas, el modelado en cerámica, la tapicería y también las artesanías, brindan apoyo emocional a la madre que ha sufrido una pérdida gestacional. También otras formas de arte, como la literatura, las artes escénicas y la música, ayudan a elaborar el duelo.

La musicoterapia es una de las terapias útiles para apoyar el proceso de distintos tipos de duelo. Por medio del empleo de técnicas creativas de interpretación, improvisación y composición, se facilita la expresión de los sentimientos y el proceso del duelo. Sin embargo, su utilización en la pérdida gestacional está escasamente referida en la literatura.

El arteterapia y la musicoterapia ofrecen un soporte eficaz para ayudar en el proceso de duelo, y podrían contribuir para que este deje de ser invisible ante la sociedad.

Palabras clave: pérdida gestacional, aborto, muerte perinatal, duelo, arteterapia, musicoterapia.


Resumo

A perda gestacional, em qualquer fase da gestação, assim como o óbito perinatal – a morte do bebê nos dias que antecedem ou que se seguem ao nascimento – constituem eventos frequentes que atingem milhões de famílias anualmente, em todo o mundo. Apesar disso, ela ainda pode representar uma perda “invisível”, especialmente quando é precoce e o luto decorrente é vivenciado como o chamado “luto não-autorizado”. Este tipo de luto, apesar de tão comum, não é devidamente reconhecido e validado no meio médico-assistencial e na própria sociedade.

Palavras-chave: perda gestacional; aborto; morte perinatal; luto; arteterapia; musicoterapia.


Uma dor muito particular

A morte de um ente querido constitui experiência única quando ocorre no contexto existencial mais ligado à vida que é o da sua reprodução – a gestação, o parto, o nascimento. A perda gestacional representa situação muito comum com a qual a maioria das pessoas já teve contato, de uma forma ou de outra. No entanto, talvez por essa característica vivencial única, o luto que dela resulta é ainda cercado de incompreensão, o que lhe agrega uma carga e uma qualidade de sofrimento que o distingue das outras formas de luto.

Durante muitos anos trabalhando como patologista perinatal em um hospital universitário, frequentemente eu tinha a chance de perceber a demanda das mães e casais em relação a intervenções específicas que necessariamente devem incluir empatia e compaixão como base de uma terapia ou aconselhamento. A perda de um filho nas fases mais iniciais da sua existência representa muito mais do que a perda de um ser amado: é a perda de todo um projeto, de uma vida que muitas vezes se interrompe quando mal começou a brotar. É perder o futuro.

A empatia e a consideração incondicional à pessoa que passa por essa forma de sofrimento são condições essenciais para ajudá-la a se reestruturar e a elaborar esse luto tantas vezes incompreendido e não aceito como tal, por aqueles de alguma forma o presenciam. São condições que podem ser oferecidas não só por um terapeuta, mas por todas as pessoas que atendem ou desejam ajudar a quem nele se encontra submerso. E, como em outras formas de luto, as terapias que utilizam a arte e a criatividade podem se mostrar especialmente eficazes na sua resolução.

Um evento comum

O termo “perda gestacional” compreende toda perda de produto da concepção resultante de fertilização natural ou in vitro, ocorrida em qualquer fase da gestação, bem como a morte do feto ou do bebê recém-nascido. Incluem-se, portanto, nesse conceito: a gravidez que ocorre fora do útero, geralmente na tuba uterina (gravidez tubária); a mola hidatiforme, erro de fertilização que resulta na morte precoce do embrião e no desenvolvimento de uma placenta anômala; o aborto precoce (até a 10ª semana gestacional) e o tardio (da 11ª à 20ª semana), espontâneos ou induzidos; o óbito fetal, a morte do feto nesse período tardio e que se estende até o final da gestação; e o óbito perinatal, aquele que ocorre antes, durante ou na primeira semana após o parto. Depois desse período, a morte neonatal tardia (um bebê com idade de até 28 dias), ou mesmo a de um lactente, teoricamente foge do conceito de perda gestacional. Mas o fato e as suas consequências em nada ou em muito pouco diferem das perdas que ocorrem em períodos mais tardios da gravidez.

A empatia e a consideração incondicional à pessoa que passa por essa forma de sofrimento são condições essenciais para ajudá-la a se reestruturar e a elaborar esse luto tantas vezes incompreendido e não aceito como tal, por aqueles de alguma forma o presenciam.

A frequência das perdas gestacionais como um todo é difícil de ser avaliada uma vez que os registros oficiais se referem somente às perdas tardias – o óbito fetal e a mortalidade perinatal. Esta se situa em torno de 11 a 12 casos /1.000 nascidos vivos, em países do primeiro mundo e no Brasil, país onde ainda ocorrem, em números absolutos, cerca de 30.000 óbitos fetais por ano, com variações regionais. A frequência das perdas muito precoces é difícil de ser estimada, em grande parte porque se perde um número de gestações não diagnosticadas clinicamente, de registro muitas vezes impossível. De qualquer forma são ocorrências frequentes, rotineiras nos hospitais e maternidades, públicos ou privados. O risco de perda, principalmente nas primeiras semanas da gravidez, aumenta significativamente com o aumento da idade materna. E em uma porcentagem menor de casais, pode continuar existindo e resultando em perdas repetidas, recorrentes.

O luto invisível

Em comparação com os outros tipos, o luto da perda gestacional é processado de modo muito particular, com importantes diferenças culturais, ou relacionadas ao grau de desenvolvimento das sociedades ao longo da história. Nas perdas muito precoces, elaborar o luto é mais difícil por se tratar de um tipo de perda “invisível”, após a qual geralmente não se segue nenhum tipo de procedimento criado para processá-la, individual ou socialmente. Não ocorre o ritual do funeral, não se associa a perda a um evento ou procedimento que dê a ela uma forma. Mesmo quando a perda ocorre em fases um pouco mais avançadas da gestação, o luto que se segue em certos casos apresenta peculiaridades que, ao menos em parte, o caracterizam como o chamado “luto não autorizado” (Doka,1998, 2002), aquele das perdas que não são abertamente reconhecidas, socialmente aceitas e publicamente vividas como luto. É quando o enlutado não é reconhecido como tal e é pouco reconhecida a sua própria relação com o ser perdido, o que torna mais difícil e prolongada a resolução deste luto que também passa a ser invisível. Ao que tudo indica, a invisibilidade do luto na perda gestacional está ligada à precocidade da perda, à ocorrência da falta de contato com o feto ou bebê nas perdas tardias e ao não reconhecimento social do luto. Infelizmente, essa dificuldade se estende muitas vezes aos profissionais da saúde que, mesmo que atendam aos pais de forma tecnicamente correta, frequentemente são incapazes de se mostrarem empáticos e de oferecer algum tipo de suporte (Badenhorst e Hughes, 2007). Os próprios familiares e amigos, muitas vezes, também têm dificuldade em reconhecer esse luto, como se pode ver nos relatos de comentários e observações do tipo “Esqueça, você é jovem, vai ter outro, logo” ou “Minha avó perdeu vários, é normal, dá pra superar” e que podem ter um efeito devastador.

Na maioria das mulheres, as manifestações do luto duram de seis meses a um ano. Em algumas, podem se estender por 18 meses ou mais. Sua duração depende dos fatores envolvidos, como o tempo de gestação, a idade da mulher e o número de perdas, além do grau e tipo de suporte recebido. Nas primeiras semanas, as respostas maternas à perda incluem sentimentos de tristeza profunda, raiva, vergonha e culpa (falha em proteger), impotência, “sensação de vazio” e entorpecimento. Também podem surgir irritabilidade, insônia, inapetência, sintomas somáticos e sinais de depressão e ansiedade. Nas perdas em qualquer fase da gestação são comuns a redução da auto-estima, a tendência ao isolamento, o medo da perda se repetir na próxima gravidez e, compreensivelmente, a inveja às vezes despertada pela simples visão de uma gestante saudável.

Arte e criatividade na elaboração do luto invisível

“O luto é mais fácil de ser curado com alguma coisa para se segurar, se ver e sobre a qual, chorar” (Seftel, 2006, p. 137).

O luto da perda invisível, que precisa ter forma para ser autorizado, pode ser melhor elaborado através de práticas terapêuticas criativas, tais como o psicodrama, a construção e narração de histórias e a arteterapia – as artes plásticas, tapeçaria, literatura e poesia, música, dança, teatro e artes visuais como fotografia, vídeo e cinema. As artes plásticas, usadas na produção de algo concreto, perceptível ao olhar e ao toque, têm um destaque como ajuda na elaboração do luto que não tem forma. Combinar duas ou mais formas de arte – como desenho e escrita– pode ser uma maneira ainda mais rica de expressão e de alívio da dor (Douglas e Fox, 2009).

Quaisquer que sejam as abordagens, técnicas ou atividades criativas propostas como meios de se dar forma a esse luto, o trabalho deve necessariamente incluir os pressupostos da compaixão, da empatia e da consideração à pessoa, para ser cumprido de forma humana, respeitosa e eficaz.

Qualquer que seja a técnica artística empregada e o resultado formal obtido, o ato da criação em si tem valor terapêutico. A arteterapeuta Laura Seftel afirma que, “independente do meio utilizado, não são apenas o imaginário ou as histórias criadas, mas é também a imersão no processo criativo que traz a cura” (Seftel, 2006, p. 88). Em seu livro Grief Unseen.Healing Pregnancy Loss through the Arts, ela descreve com rara sensibilidade o processo de superação dessas perdas através de atividades artísticas e artesanais, resultado de um projeto –“The Secret Club”– com ênfase nas artes plásticas e na literatura, de grande auxílio na resolução do luto invisível, ao dar forma e significado à perda.

Musicoterapia

Uma das terapias criativas mais investigadas e utilizadas como suporte ao luto de diferentes tipos, a musicoterapia é empregada há décadas e descrita em livros especializados, como o da australiana Ruth Bright (2002), porém com atenção relativamente escassa para o luto da perda gestacional. Em pesquisa bibliográfica recente, utilizando o Cochrane Database of Systematic Review, a musicoterapeuta brasileira Martha N. Vianna não encontrou, na literatura mundial, nenhuma referência ao seu uso no atendimento desse tipo de luto. Investigando as referências no Brasil, identificou apenas as publicações de Lana em 2011 e 2017 (Vianna, comunicação pessoal, setembro de 2018). Isso parece mostrar que o luto da perda gestacional ainda é invisível também para a maioria dos musicoterapeutas que publicam o seu trabalho.

O atendimento em musicoterapia é feito de duas grandes maneiras: a receptiva ou passiva (escuta) e a ativa ou interativa (execução e criação). A primeira é aplicada principalmente na identificação e exploração dos sentimentos e a segunda, na expressão e comunicação dos mesmos, através da execução em instrumento ou canto, solo ou acompanhada pelo terapeuta. As técnicas incluem o uso de música pré-composta de conteúdo significativo, associado à verbalização e, no caso da ativa ou interativa, à interpretação e improvisação como ferramentas de expressão do conteúdo afetivo e emocional da história pessoal. Soma-se a isso a composição, geralmente com a criação de letras para uma canção conhecida ou mesmo a própria composição musical. A improvisação e a composição são ferramentas poderosas, ao ajudar a dar forma a algo que não tem. A simples interpretação de peças musicais pré-compostas também pode ser pensada no sentido da “criação de forma”, encontrando correspondência etimológica com o termo relativo à execução musical, na língua inglesa (to perform = dar forma a). A criação de um produto como um CD ou um livro de canções onde poderiam ser incluídas outras formas de expressão criativa (desenho, pintura) também pode ser interessante, ao materializar a perda. A gravação das sessões deve se restringir ao registro musical, por questão de confidencialidade e o produto assim obtido deve ser propriedade exclusiva da mãe ou do casal.

De acordo com Bright (1999), o musicoterapeuta deve possuir qualidades que são requisitos para o trabalho com o luto em geral. No caso da perda gestacional, além das manifestações e sintomas, é necessário que possua conhecimento prévio das peculiaridades do luto não autorizado para ter uma atitude compreensiva e saber lidar com a verbalização, usando as palavras corretas. É também importante saber adequar o uso da música e o repertório a essas peculiaridades, respeitando a identidade cultural e espiritual/religiosa da cliente. O uso predominante da música religiosa como expressão, por exemplo, é percebido na fase precoce do atendimento em um hospital-maternidade do Rio de Janeiro (Vianna, comunicação pessoal, setembro de 2018). O repertório deve conter peças musicais de gêneros que fazem parte da identidade social dos clientes e que se refiram a sentimentos e contextos desse tipo particular de perda. Assim, canções de ninar e músicas do cancioneiro infantil podem e devem ser utilizadas, especialmente quando a cliente já se encontra próxima da fase de resolução do processo, que é a da integração da perda.

A pessoa que procura o atendimento é, em geral, a mãe. Mas o pai também pode apresentar demanda, embora isso não seja a regra, uma vez que o seu estilo de vivenciar o luto é diferente. O trabalho pode ser individual –necessário para facilitar o processo criativo e verbalizar emoções– ou em grupo, onde o encontro com pessoas que vivem a mesma experiência confere um sentido de pertinência e ajuda na adesão à terapia, ao mostrar que a pessoa não está sozinha no mar de incompreensão que cerca a vivência desse luto. Uma opção, talvez mais eficaz, pode ser a combinação das duas formas.

A busca de um significado

O processo de resolução do luto não se liga ao esquecimento, mas ao encontro de um significado que se dê sob a forma da integração dessa perda. Na perda gestacional, essa busca é árdua, uma vez que se trata também do desmoronar de um sonho, de um futuro desejado e de uma nova identidade para a mulher que é o tornar-se mãe; ou seja, são várias perdas que nem sempre têm forma. Uma terapia de suporte para alcançar essa integração e que tenha base na criatividade e na criação artística ou artesanal parece ser a maneira mais eficaz de dar forma a essa perda e propiciar a sua integração.

Quaisquer que sejam as abordagens, técnicas ou atividades criativas propostas como meios de se dar forma a esse luto, o trabalho deve necessariamente incluir os pressupostos da compaixão, da empatia e da consideração à pessoa, para ser cumprido de forma humana, respeitosa e eficaz. E cabe a nós, terapeutas, não somente ajudar a pessoa nesse processo, mas também, com a divulgação do nosso trabalho, ajudar a fazer com que essa forma tão peculiar de luto saia da invisibilidade.

Referências bibliográficas

Badenhorst, W. e Hughes, P. (2007). Psychological aspects of perinatal loss. Best Practice & Research Clinical Obstetrics and Gynaecology, 21 (2), 249-259.

Bright, R. (1999). Music therapy in grief resolution. Bulletin of the Menninger Clinic, 63 (4), 481-498.

— (2002). Supportive Eclectic Music Therapy for Grief and Loss. A Practical Handbook for Professionals. St. Louis, USA: MMB Music, Inc.

Doka, K. (1989). Disenfranchised grief. Lexington, Massachusetts, USA: Lexington Books. Apud Parkes, C. M. Luto. Estudos sobre a Perda na Vida Adulta. São Paulo, Brasil: Summus, p. 163.

Douglas, K. e Fox, J. R. (2009). Tears of blood: understanding and creatively intervening in the grief of miscarriage. Em G. R. Waltz, J. C. Bleuer & R. K. Yep (eds.), Compelling Counseling Interventions. VISTAS 2009, 89-100. Alexandria, USA: American Counseling Association.

Lana, A. M. A. (2010/2011). O luto na perda reprodutiva: uma área de atuação da musicoterapia. Pesquisa e Música, 10/11(1), 41-65.

— (2016). O luto na perda gestacional. Em Tavares, G. R. e Tavares, E. (eds.), A Vida Continua. Belo Horizonte, Brasil: O Lutador, 94-112.

Seftel, L. (2006). Grief Unseen. Healing Pregnancy Loss Through the Arts. London, England: Jessica Kingsley Publishers.

* Musicoterapeuta e psicoterapeuta com formação em Psicoterapia Humanista (Abordagem Centrada na Pessoa). Patologista perinatal e professora de Medicina, aposentada.

Cómo citar este artículo:

Lana, A. M. A. (2019). O luto da perda gestacional: um campo de atuação da arteterapia e da musicoterapia. Arteterapia. Proceso Creativo y Transformación, 2 (4). Recuperado de: https://arteterapiarevista.ar/o-luto-da-perda-gestacional-um-campo-de-atuacao-da-arteterapia-e-da-musicoterapia/